segunda-feira, 31 de maio de 2010

A Revolução do Amor


O amor usa pochete e veste calça baggy de cós alto. Mas andam pegando muito pesado com ele ultimamente. De lindo caiu na decadência e hoje faz figuração em novela das oito, além de participar de comerciais da Sazon e do McDonald’s para ganhar a vida. É um triste fim para quem já esteve presente na vida de cada um de nós e hoje em vez de aquecer pessoas em dias frios, aquece as vendas no Dia dos Namorados. Um dia em que o amor é difamado por cartões que carregam mensagens produzidas em série e presentes em três vezes sem juros. Sem contar nas filas intermináveis nas portas dos motéis para homenagear o sentimento mais belo com um coito programado de duas horas em uma cama que o casal anterior teve a gentileza de deixar pré-aquecida.

O que aconteceu? Onde está o calor humano, que na contramão do aquecimento global, desapareceu? Parece que os cientistas, depois de séculos de pesquisas, finalmente alcançaram o seu objetivo maior de fazer com que a razão derrubasse a emoção, montasse em cima dela e envolvesse o pescoço da vítima de tal forma que a sufocasse até o último suspiro. Mas quando a razão acredita que tudo está terminado e já sai para comemorar, a alma do amor, que já começa a se desprender do corpo, se estica e consegue bater na mão de nada mais, nada menos, do que a intuição. Sim, a intuição trajada de roupa de lycra azul bebê, com sunga dourada por cima e uma máscara, no perfeito estilo lucha libre. E a intuição “El Pancho” sobe nas cordas e com um salto faz uma entrada triunfal no ringue e antes que a razão tenha tempo de reagir, é atingida, ironicamente no lado esquerdo do peito, por uma voadora fulminante com os dois pés.

A razão mal cambaleia e já cai estirada no chão, com a língua para fora. Como a foto clássica do Einstein, só que com a língua para o lado. Chega o juiz, chegam os paramédicos e nada de pulsação. A razão vestiu o paletó de madeira.

O amor não só é salvo, mas reina absoluto. E indica a intuição como Ministro da Defesa e seu braço direito no governo. Agora toda a população tem condições de alimentar a esperança e a morar no coração de alguém. Menos favorecidos têm a oportunidade de ascensão e chegar ao status de relacionamento sério. Oprimidos que tiveram seus sentimentos pisoteados podem novamente se sentir nas nuvens. Depressivos podem parar de tomar seus remédios e ficarem descontrolados. Porque o amor é assim. Permite que você fique louco e não vista uma camisa de força. Escreva uma poesia rimando Avenida Paulista com menina bonita e saia ileso. Se fantasie com cueca de couro, chicote e máscara do Zorro e pareça sensual. O amor é socialista e prova que todos podem ter o seu cutchi cutchi ô gente é bunitin demais e eventualmente viver sob o mesmo teto.

Mas no lugar da foice e do martelo, neste socialismo, os símbolos são as respostas afiadas e o rolo de macarrão. Porque como os regimes comunistas, o relacionamento começa abastado, só que com o tempo os recursos ficam escassos e passam a ser racionados por causa de centralização do poder, aliado a embargos provocados pelo ciúmes excessivo.

Contudo, existe uma teoria para um relacionamento funcionar, que Karl Marx e carta amantes assinariam embaixo. É a que cada indivíduo deve ter direito a seu espaço e acesso à necessidades básicas, como encontrar os amigos e até ficar sozinho. E, sobretudo, aprender a dividir. Um sonho, por exemplo. Que pode ser muito maior se os dois construírem juntos, em vez de cada um fazer o seu. Então o lema é o seguinte: vista sua boina verde oliva, deixe a barba crescer (essa parte só vale para os homens) e realize aquele velho sonho de mudar o mundo. Mas lembre-se que para dar certo este mundo não pode ser só seu.

É dos dois.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Gerundiando


Bom dia, com quem vou estar falando?

Luís.

Em que posso estar ajudando, senhor Luís?

Quero mudar o plano do meu celular.

Posso estar oferecendo os Planos Básico, Super e Master.

Mas como funciona cada plano?

A operadora pode estar explicando pro senhor.

Por favor.

Vou estar encaminhando o senhor.

Mas, moça...

Eu vou estar deixando o senhor por alguns momentos na espera.

Não, espera você! Não quero que você esteja me oferecendo, me explicando, nem me encaminhando nada. Só quero uma informação. Simples e direto: como eu faço para mudar o meu plano?

O senhor não precisa estar se exaltando...

Não estou me exaltando, mas vou me exaltar! Quero mudar o meu plano!

Para o senhor estar mudando o plano...

– Primeiro, não quero estar fazendo nada! Quero fazer, fazer! Economiza um verbo aí, não precisa de dois.

– Para estar economizando, senhor, vou estar transferindo o senhor para o setor de promoções.

– Espera aí, espera a...

Entra Nona Sinfonia de Beethoven, versão videokê. Passam-se sete minutos e a música termina. E entra uma mensagem gravada:

Para estar aproveitando promoção de aparelhos, disque 1.

Para estar aproveitando promoção de mensagens de texto, disque 2.

Para estar aproveitando-ando-ando-ando-ando-ando... (pau na gravação).

Homem, que queria somente mudar o plano do seu celular, enlouquece e arremessa o seu aparelho contra a parede. Mas, aqui entre nós, ignora. Para que ficar se estressando?

Gerúndio. Ou melhor, verbo no gerúndio. Para não criar a dúvida de que se trata de uma espécie de anfíbio. Enfim, o representante máximo do dialeto dos funcionários de telemarketing é, sem dúvida, horripilante. Dói não só nos ouvidos, como na alma. Os gramáticos que lotam os consultórios de urologistas e ginecologistas para tratar disfunção erétil e perda de libido sexual por conta do estresse causado pelo contato constante com o gerúndio que o digam.

Mas tem uma injustiça nesse preconceito todo. Uma generalização desmerecida com relação ao mau uso do gerúndio. Mas como assim, mau uso?! Existe por acaso um bom uso? O pior é que existe. E não, não é aquele famoso “Tô chegando” que todo mundo já usou em algum momento. Por exemplo: “Trimmm, Trimmmm...” Não, não é o seu despertador, é o seu telefone mesmo. E não é um sonho, são nove e meia da manhã e o seu chefe acaba de acordar você para uma reunião em que você deveria apresentar um trabalho decisivo na sua carreira. E você, naquela tentativa de disfarçar a voz de sono, limpa a garganta, numa pigarreada clássica, e manda na cara dura:

“Ahrrrhã. É... Eu... tô... É... Eu tô chegando!”

Acabou. Neste momento, com esta frase, você perde toda a credibilidade que já teve ou pretendia ter um dia. Todo o conhecimento que adquiriu dos livros de auto-ajuda e de marketing pessoal e das palestras do Bernardinho e companhia que ensinavam sobre a importância da objetividade e da segurança na sua conduta profissional foi por água abaixo. O dinheiro gasto em roupas para impressionar e com fonoaudióloga para adquirir firmeza na dicção. Foi tudo em vão. A definição do seu signo que leu na Contigo de que você é um líder nato e terá muito sucesso na vida. Mentira. E tudo por causa de um gerúndio mal utilizado.

Mas e aí? Como é o tal do bom uso? Se é que realmente existe. Bem, então... Vamos lá. Se é passado, você diz que fez. Se é futuro, você diz que vai fazer. Se é presente, você diz que faz. E se for neste exato momento? Você diz que está fazendo. Certo? Não?! Claro que é certo! E você vai ver por quê. Homens na fase adolescente costumam demorar um pouco mais do que de costume no banheiro. Às vezes com o recurso do chuveiro ligado para dar uma disfarçada. Então, vem batida da sua mãe na porta: “O que você tá fazendo aí dentro, meu filho?!”, “Tá tudo bem?”, “Responde!” Ainda com o dito cujo na mão, e em estado rígido, porque nessa idade pode cair o mundo que ele nem se mexe. O corpo cavernoso que homenageia a Torre de Pisa mantém-se imponente. E o adolescente se manifesta: “Tô tomando banho, mãe!” E é isso mesmo. Quer dizer, não é isso nada. Ele está fazendo é outra coisa. Mas está fazendo.

Digo mais: atribuo ao gerúndio uma importância filosófica. Conjugar a sua vida neste tempo verbal é sinônimo de produtividade. Significa que você está em permanente atividade, não se acomoda. Está sempre buscando, batalhando, construindo. Se este ponto de vista fosse colocado em prática, os funcionários de telemarketing dominariam o mundo. E o mundo seria regido por seus dogmas. O seu telefone tocaria incessantemente e do outro lado da linha você encontraria um vendedor 100 vezes mais insistente e inconveniente que, além de cartões de crédito e dos cursos de inglês, vende qualquer outro produto e serviço que você pode imaginar. Casamentos seriam realizados e desfeitos ao simples aperto de um botão. O catálogo telefônico seria nossa bíblia. Graham Bell, Deus. E de tanto falarmos no telefone provavelmente desenvolveríamos uma mutação genética como aquele ratinho de laboratório que tinha uma orelha nas costas. Uma flatulência mais forte e a sua audição já ficaria comprometida em 50%. Isso se ela não for de abano e funcionar ainda como uma vela de windsurf. E a qualquer brisa levar você para um passeio inesperado. É, pensando bem, elimine o gerúndio. Opa! Melhor, pense bem, elimine o gerúndio.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Sai da Frente


A vida já foi comparada a um trem. Um trem que segue o seu percurso sem meias-voltas e que até o seu destino final tem diversos embarques e desembarques tanto de pessoas que entram e saem desapercebidas, como de pessoas que marcam e deixam saudades. Cada pessoa está no trem por um motivo diferente, tem gente que está a passeio, outros a trabalho, tem até quem está perdido sem saber para onde vai.

O fato é que tudo isso é muito poético, muito bonito, mas para mim não é a melhor analogia. Na minha opinião, a vida é uma lotação. É isso mesmo, lotação, perua, o que quer queira chamar aquele meio de transporte que tem como característica básica colar na traseira do seu carro, dar luz alta freneticamente e após completar a ultrapassagem forçada, realizar uma manobra brusca para cruzar o veículo na sua frente e chegar no ponto de ônibus a 50m de distância, enquanto os passageiros se agarram uns aos outros em uma espécie de micareta do terror.

“Mas o que tem a ver?”, você deve se perguntar. Pois então, você nasce e entra na lotação, que é literalmente um parto, apertado, espremido e gente puxando você pelo braço para passar pela porta. Depois vem a fase oral em que o motorista freia bruscamente enquanto você mete a boca no banco da frente. Tem os primeiros passos, na hora em que entra um idoso, e você precisa dar o seu lugar e ficar de pé na lotação. As primeiras aulas de matemática e física em que você aprende que é impossível segurar uma mochila, contar moedas e manter-se equilibrado ao mesmo tempo que o motorista da lotação costura no trânsito com a mesma habilidade de um alfaiate com Parkinson.

Naturalmente você também inicia o processo para ingressar no mercado de trabalho. A disputa de espaço na lotação é impiedosa, unha a unha, dente a dente, sovaco a sovaco. Ai de você se não tiver com o desodorante vencido. Em menos de 15 minutos um concorrente derruba você, literalmente.

Mas na lotação, como na vida, também se faz amizade. A cada parada sobem e descem pessoas, pessoas de todos os tipos, inclusive as que dão aquele frio na barriga e não falo do passageiro que acabou de comprar um frango congelado e escorou em você, é paixão à primeira vista mesmo. Aquela pessoa de quem, por mais que você queira, não consegue tirar o olho. Mas não tem essa de que alguém já está sentado ao lado dela. Encosta lá e deixe todo o combustível fóssil que você acumulou com o repolho e ovos cozidos que você comeu no almoço fluir. Pronto, o cara vai se retirar, talvez a lotação inteira se retire, mas é isso aí, você tentou. O importante é não se acomodar e ficar com o olhar perdido pela janela imaginando como tudo seria. Você precisa olhar para o reflexo da janela, não para o cara desdentado ao seu lado, além de grotesco, vai achar que está afim dele. É para você mesmo que precisa olhar, e acreditar que é capaz, levantar e fazer. Dane-se se vão pegar o seu lugar, você encontra um lugar melhor lá na frente.

E assim é a vida, é movimento, são altos e baixos, arrancadas e freadas, ultrapassagens e ser ultrapassado, atalhos e dar voltas, pista perfeita e esburacada.

Mas antes de qualquer coisa é você não dormir no caminho, porque aí você chega no ponto final e tem de esperar a próxima vida para pegar outra lotação.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Sonhos Que Não Deixam Você Dormir


Tema explorado à exaustão pelos livros de auto-ajuda, banalizado pelas financiadoras de imóveis e vendido a um real nas padarias. O sonho beira o brega. Se a gente falar de músicas sobre o assunto, aí não beira, salta com um duplo twist carpado de cabeça nele. Mas estou aqui para resgatar o sonho. Não se trata de nenhum tipo de interpretação, muito menos de regressão. Na verdade, a idéia é valorizar o sonho no sentido de ideal. O tipo de sonho que você tinha quando era criança e mudava a cada filme ou desenho animado que assistia: quero ser policial, quero ter um elefante de estimação, quero voltar no tempo, quero ser um revolucionário, quero ser azul, usar uma toquinha branca e passar o dia assobiando. Não importa.

O importante é que você sonhava. E nesse sonho, pelo menos por alguns instantes, você era o que queria ser. De verdade. E o melhor: na hora que você quisesse e sem pagar nada por isso. Bastava fechar os olhos e com a força da mente você abria as comportas que represam a imaginação. Nesse momento vinha uma avalanche de idéias e pensamentos que inundavam sua cabeça com todo o cenário, personagens e efeitos especiais mais incríveis.

Só que hoje é diferente. Hoje você não é o que queria ser por alguns instantes, pode ser para sempre. Porque hoje a força da mente além de liberar a imaginação, libera a energia e a vontade necessárias para correr atrás desse seu sonho. O tiro da largada já foi dado, mas nessa prova é você quem define o percurso, a distância e aonde você vai chegar. E você só tem um adversário: o tempo. Os segundos, os minutos, as horas, os dias, as semanas, os meses e os anos todos correm com você.

Cortar a cerveja, contratar um treinador, mudar para o Quênia, calma. Não precisa fazer nada disso. Principalmente a parte a respeito de cortar a cerveja. O que você precisa é fechar os olhos, se concentrar e focalizar seu sonho. Agora, em vez de mantê-lo em sua cabeça, projete-o numa parede. Guarde bem aquela imagem. Guardou? Aí você pega uma escavadeira (se não arrumar uma, serve uma marreta mesmo) e derruba tudo. E vai embora sem nem olhar para trás. Uma dica para melhorar a performance é aliviar peso, como navio que está para afundar. Começa pelos “Se for para acontecer, vai acontecer”, “Tudo em seu tempo” e “Às vezes não era para ser.” Pronto. Com isso, garanto que você consegue. Nem um relógio Tag Heuer que patrocina a Fórmula 1 alcança você.

O fato é que o sonho é o que dá sentido a nossa vida. (Abre uma brecha entre as nuvens e um raio de luz divino cai sobre você. Ao fundo escutamos um coro de canto gregoriano emitindo um dó sustenido.) E é isso mesmo. E não é fácil realizá-lo. É mais fácil se conformar e jogar na mega-sena toda semana. Ou, se preferir, tranque a porta, feche as cortinas, desligue o telefone, coma uma bela duma feijoada com paio, costela, lombo, carne seca, acompanhada de arroz, farofa, torresmo e logo em seguida vá dormir. Você vai sonhar também.

Mas se prepare para o pesadelo do dia seguinte no banheiro.

Qual Mundo é o Seu?


Fecha os olhos e imagina uma praia. Não, não é para fechar os olhos agora senão você não consegue ler o resto do texto. Mas imagina que você fecha os olhos e imagina uma praia. Areia branca, mar azul e nenhuma construção ou carro por perto, só coqueiros e o som de gaivotas. Você se prepara para encher os pulmões com a mais pura brisa marinha, e não aquela versão em spray que borrifam no banheiro e que acaba enchendo os seus pulmões com brisa da estação de tratamento de esgoto. E aí com um assopro bem forte que chega comprime os seus músculos lombares, você expele todo o ar alojado na sua caixa torácica, inclusive uma pequena catota que habitava na sua narina esquerda há alguns dias. Na seqüência, em posição quase fetal, você puxa aquele ar puro com tudo, passando por todas as posturas da escala evolutiva do ser humano até chegar ao do Homo Sapiens. Nesse momento o seu sistema respiratório triplicou de tamanho e de tão forte a sua inspiração, além do H2O, dois borrachudos encontraram na sua faringe um local perfeito para perpetuar a espécie.

Mas e daí? Você deve perguntar. E daí que agora você tem uma exclusiva voz com zunido e não pegou prisão perpétua por afundar o crânio do seu chefe com um grampeador depois que ele passou um trabalho às 18h de uma sexta-feira para entregar às 9h30 de segunda.

Só que essa técnica de imaginar não é só um meio de auto-controle à situações adversas. Vai muito além disso. É criar um mundo a sua volta. E o mais desafiador, sem o uso de substâncias ilícitas. Durante a semana.

Mas que fique claro que isso não quer dizer que você agora é um mini-Deus e vai passar a ter seguidores e abrir uma franquia do maior Call Center do universo para atender todos os pedidos, reclamações e Ave Marias. Não, criar um mundo pode ser simplesmente enxergar o que já existe de uma maneira diferente. Um trabalho criticado ou reprovado, por exemplo, não significa que você é um fracasso e deve repensar a sua vida porque está na profissão errada. Significa uma oportunidade de fazer melhor e de ir além do que você está acostumado a fazer e sempre acreditou que estava bom. É um alerta: “Atenção, hora de inovar! Atenção, hora de inovar!”. E é isso, no mesmo mundo você pode ser um eterno injustiçado, ou alguém que percebe dicas para crescer. Porque independente da carreira que optou seguir, tem um jornalista dentro de você que pode abordar a notícia dentro de um contexto e passar o sentido maior que ela tem. Ou isolar a notícia e deixá-la sensacionalista para chamar atenção.

A escolha é sua. Porque na verdade o mundo está girando em cima do seu pescoço. Vire quatro doses de tequila na seqüência e vai entender do que estou falando.

As Caraminholas Assassinas


Tirando chuva, granizo, neve e excremento de pássaros, nada mais cai do céu. E ficar parado só serve de valentia para alguém que por acaso aventurar-se por uma mata e for surpreendido por uma onça pintada. Precisamos nos movimentar e isso não quer dizer encomendar um Ab-Shaper pelo 1406 e se exercitar diariamente. Quer dizer, simplesmente, retirar os seus glúteos do estado de relaxamento e levantar da cadeira. A mesma cadeira em que você fica horas imaginando aonde quer chegar na vida, o que quer fazer, conquistar. Mas quando abre os olhos, continua sentado na mesma cadeira. Só que agora com um início de hérnia de disco depois de ter se empolgado com o sonho de dançar maxixe profissionalmente.

Quando utilizei a expressão “simplesmente” para classificar o ato de tomar uma iniciativa, talvez não tenha sido tão feliz. Porque de simples não tem nada. Exige um imenso esforço para ultrapassar uma série de obstáculos. E por menos Emulsão Scotch e óleo de fígado de bacalhau que você tenha tomado na sua infância para crescer, a maior deles é você mesmo.

Para ser mais específico, todas aquelas caraminholas que carregamos nas nossas cabeças e que funcionam, literalmente, como adubo para fertilizar e promover o desenvolvimento de medos e receios. Essas caraminholas representam uma ameaça muito maior do que o diabinho que vive em constante conflito com o anjinho da sua consciência. Caraminholas são militantes que atuam com técnicas de guerrilha sofisticadas para seqüestrar sonhos e aprisionar objetivos de vida em nome da sua grande causa: a conformidade. E a eficiência dessas caraminholas é impressionante. Torturadoras inescrupulosas, elas fazem você acreditar que tudo o que sempre quis para a sua vida é descartável. E após uma intensa lavagem cerebral, você mesmo já criou argumentos para se acomodar na zona de conforto: profissão é só um meio para se sustentar, se envolver com alguém é para sofrer depois e uma única pessoa não pode mudar o mundo.

O que era para ser um roteiro original, com grandes personagens, que se passa em diversas partes do mundo e tem um final surpreendente, torna-se uma estória água-com-açúcar, com personagens comuns e que se um dia fosse filmado não poderia ter loucuras, do barulho, nem da pesada no título. Ou seja, mesmo insoso o filme não serviria nem para passar na sessão da tarde.

A questão é que como bons guerrilheiros, caraminholas seguem ideais comunistas, mas não no sentido de igualdade econômica e sim no sentido de frustração igualmente distribuída. Qual a solução? A luta. Enfrentar as caraminholas não só com pensamentos, mas também com ações. Caraminholas sofrem de asma e têm dificuldade de acompanhar pessoas dinâmicas, ativas e que correm atrás do que acreditam e querem realizar. Quanto mais você se mexe, mais elas chiam e ficam sem ar. É cruel, mas é a lei da sobrevivência. Façam elas ficarem azuis e caírem duras. Não vai ter bombinha que as salve. E a partir daí, você está livre. Livre como o tema da sua estória.

Só vê se você não vai deixar a folha em branco.

Assinale a Alternativa Correta


Tem muitas possibilidades no mundo. Um mundo de possibilidades. Você pode seguir a sua profissão e ver até onde pode ir. Você pode largar tudo e ser um escritor no interior da Espanha. Você pode esquecer a obrigação de formar uma família e viver a vida viajando e fazendo bicos pelo mundo. Você pode fazer um curso de culinária e tentar uma carreira como chefe. Você pode estudar para concurso e buscar uma vida mais tranqüila. Você comprar uma prancha e começar uma busca pela onda perfeita. Você montar uma banda e ser aspirante à Rock Star. Você pode fazer muita coisa. E deve se sentir um privilegiado por isso. Porque você pode escolher.

Poder escolher é muito bom, mas pode ser muito ruim também. Você está na balada e vê uma loira linda com seios que amamentariam 9 recém-nascidos encostada no balcão pedindo uma cerveja. Decide tomar uma iniciativa e conversar com ela, mas quando começa a caminhar na sua direção passa uma morena com uma sainha e umas pernas que vou te contar. Você pára no meio do caminho e não disfarça o olhar de desejo. Agora o radar aponta para esta beldade, pelo menos da cintura para baixo, mas logo dá um giro de 180º por detectar uma risada meiga e uma voz macia de uma ruivinha encantadora com sardinhas, feito uma princesa medieval. Você finalmente foca, mas uma japonesinha esbarra em você sem querer, quase derruba a sua cerveja, mas tem sucesso com um fiozinho de baba que fica pendurado do seu lábio inferior. Que perfume, que delicadeza tem essa gueixa. Você busca abrigo na parede para se recompor e estabelecer a prioridade, o objetivo. Você olha para a loira. Só que ela foi rápida e já está atracada com um sujeito. Agora eles são um só ser de quatro braços nervosos apalpadores compulsivos, como se estivessem atrasados para uma macarronada de domingo escolhendo tomates no supermercado. Já a morena, conversa com um cara duas vezes a sua envergadura. Um brutamontes infértil que trava um diálogo monossilábico com aquela saia e duas pernas. E a princesa medieval? Essa deve ter montado no seu cavalo branco e ido embora para o seu castelo. A partir de agora ela é protagonista de um conto de fadas erótico na sua cabeça. Algo do tipo, Branca de Smegma e Os Sete Orgasmos.

A gueixa. É ela. Na verdade, só sobrou ela. Olho fixo na presa. Você inicia o ataque com passos vagarosos que se intensificam por um trajeto em zig-zag, que é para a vítima não suspeitar a sua aproximação. Já mais perto um garçom faz papel de arbusto. Você respira uma, duas, três vezes e começa uma crise de tosse. Muita fumaça de cigarro no ambiente. Você se recupera, quase salta o garçom e dá o bote. Você está frente-a-frente com esta oriental que ao que tudo indica é uma mestre pompoar. Olho no olho vocês dois ficam atônitos, sem palavras. Você quebra o gelo e propositalmente solta a rainha-mãe das cantadas: “Você vem sempre aqui?”. Os dois caem na gargalhada, mistura-se nervosismo e alívio pelo fim do silêncio. Que risada despreocupada ela tem. Nossa, quantos dentes ela tem. Pelo menos oito dentes a mais do que qualquer outro ser humano, que brigam por espaço em sua boca um por cima do outro, como uma platéia num show gratuito da Madonna em Pequim. Fato que talvez a tornaria interessante caso você fosse estudante de odontologia. Interessante como tema da sua tese de doutorado, talvez. Você dá alguns passos para trás e inicia uma retirada. Covarde, mas ao mesmo tempo compreensível. Você preservou a sua gengiva de danos provavelmente irreparáveis.

Ao contrário do que todos devem concluir, você não foi indeciso. Você teve muita escolha. E opções são impacientes como uma moça hipoglicêmica menstruada com vontade de comer chocolate na noite de Natal em que todas as lojas estão fechadas e só tem panetone com frutas cristalizadas em casa.

Ou seja, como tudo em demasia faz mal. Escolher não foge à regra. Quanto mais você demora, menos opções você tem. Você pode pensar, refletir, discutir, consultar, pesquisar, imaginar e transcender antes de uma decisão. Só não deixe a vida tomá-la para você.