– Bom dia, com quem vou estar falando?
– Luís.
– Em que posso estar ajudando, senhor Luís?
– Quero mudar o plano do meu celular.
– Posso estar oferecendo os Planos Básico, Super e Master.
– Mas como funciona cada plano?
– A operadora pode estar explicando pro senhor.
– Por favor.
– Vou estar encaminhando o senhor.
– Mas, moça...
– Eu vou estar deixando o senhor por alguns momentos na espera.
– Não, espera você! Não quero que você esteja me oferecendo, me explicando, nem me encaminhando nada. Só quero uma informação. Simples e direto: como eu faço para mudar o meu plano?
– O senhor não precisa estar se exaltando...
– Não estou me exaltando, mas vou me exaltar! Quero mudar o meu plano!
– Para o senhor estar mudando o plano...
– Primeiro, não quero estar fazendo nada! Quero fazer, fazer! Economiza um verbo aí, não precisa de dois.
– Para estar economizando, senhor, vou estar transferindo o senhor para o setor de promoções.
– Espera aí, espera a...
Entra Nona Sinfonia de Beethoven, versão videokê. Passam-se sete minutos e a música termina. E entra uma mensagem gravada:
– Para estar aproveitando promoção de aparelhos, disque 1.
– Para estar aproveitando promoção de mensagens de texto, disque 2.
– Para estar aproveitando-ando-ando-ando-ando-ando... (pau na gravação).
Homem, que queria somente mudar o plano do seu celular, enlouquece e arremessa o seu aparelho contra a parede. Mas, aqui entre nós, ignora. Para que ficar se estressando?
Gerúndio. Ou melhor, verbo no gerúndio. Para não criar a dúvida de que se trata de uma espécie de anfíbio. Enfim, o representante máximo do dialeto dos funcionários de telemarketing é, sem dúvida, horripilante. Dói não só nos ouvidos, como na alma. Os gramáticos que lotam os consultórios de urologistas e ginecologistas para tratar disfunção erétil e perda de libido sexual por conta do estresse causado pelo contato constante com o gerúndio que o digam.
Mas tem uma injustiça nesse preconceito todo. Uma generalização desmerecida com relação ao mau uso do gerúndio. Mas como assim, mau uso?! Existe por acaso um bom uso? O pior é que existe. E não, não é aquele famoso “Tô chegando” que todo mundo já usou em algum momento. Por exemplo: “Trimmm, Trimmmm...” Não, não é o seu despertador, é o seu telefone mesmo. E não é um sonho, são nove e meia da manhã e o seu chefe acaba de acordar você para uma reunião em que você deveria apresentar um trabalho decisivo na sua carreira. E você, naquela tentativa de disfarçar a voz de sono, limpa a garganta, numa pigarreada clássica, e manda na cara dura:
– “Ahrrrhã. É... Eu... tô... É... Eu tô chegando!”
Acabou. Neste momento, com esta frase, você perde toda a credibilidade que já teve ou pretendia ter um dia. Todo o conhecimento que adquiriu dos livros de auto-ajuda e de marketing pessoal e das palestras do Bernardinho e companhia que ensinavam sobre a importância da objetividade e da segurança na sua conduta profissional foi por água abaixo. O dinheiro gasto em roupas para impressionar e com fonoaudióloga para adquirir firmeza na dicção. Foi tudo em vão. A definição do seu signo que leu na Contigo de que você é um líder nato e terá muito sucesso na vida. Mentira. E tudo por causa de um gerúndio mal utilizado.
Mas e aí? Como é o tal do bom uso? Se é que realmente existe. Bem, então... Vamos lá. Se é passado, você diz que fez. Se é futuro, você diz que vai fazer. Se é presente, você diz que faz. E se for neste exato momento? Você diz que está fazendo. Certo? Não?! Claro que é certo! E você vai ver por quê. Homens na fase adolescente costumam demorar um pouco mais do que de costume no banheiro. Às vezes com o recurso do chuveiro ligado para dar uma disfarçada. Então, vem batida da sua mãe na porta: “O que você tá fazendo aí dentro, meu filho?!”, “Tá tudo bem?”, “Responde!” Ainda com o dito cujo na mão, e em estado rígido, porque nessa idade pode cair o mundo que ele nem se mexe. O corpo cavernoso que homenageia a Torre de Pisa mantém-se imponente. E o adolescente se manifesta: “Tô tomando banho, mãe!” E é isso mesmo. Quer dizer, não é isso nada. Ele está fazendo é outra coisa. Mas está fazendo.
Digo mais: atribuo ao gerúndio uma importância filosófica. Conjugar a sua vida neste tempo verbal é sinônimo de produtividade. Significa que você está em permanente atividade, não se acomoda. Está sempre buscando, batalhando, construindo. Se este ponto de vista fosse colocado em prática, os funcionários de telemarketing dominariam o mundo. E o mundo seria regido por seus dogmas. O seu telefone tocaria incessantemente e do outro lado da linha você encontraria um vendedor 100 vezes mais insistente e inconveniente que, além de cartões de crédito e dos cursos de inglês, vende qualquer outro produto e serviço que você pode imaginar. Casamentos seriam realizados e desfeitos ao simples aperto de um botão. O catálogo telefônico seria nossa bíblia. Graham Bell, Deus. E de tanto falarmos no telefone provavelmente desenvolveríamos uma mutação genética como aquele ratinho de laboratório que tinha uma orelha nas costas. Uma flatulência mais forte e a sua audição já ficaria comprometida em 50%. Isso se ela não for de abano e funcionar ainda como uma vela de windsurf. E a qualquer brisa levar você para um passeio inesperado. É, pensando bem, elimine o gerúndio. Opa! Melhor, pense bem, elimine o gerúndio.
Apreciei sobremaneira o texto Gerundiando. Bem que vc poderia estar escrevendo mais sobre essa praga tão irritante aos ouvidos. Parabéns, JOJO!
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