segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

2010 – Uma Odisséia no Espaço Entre Suas Orelhas.


Chegou 2010. Um ano em que filmes de ficção científica mostravam a terra devastada, dominada por andróides e humanos desesperados buscando sua sobrevivência.

Eita, espera aí. Não é que esses diretores não estavam tão errados assim nas suas previsões. Tudo bem que não andamos em carros voadores, nem comemos comida desidratada. Tirando os naturebas e seus pacotinhos de abacaxi, banana e mamão que, na contramão do ecologicamente correto, contribuem de forma decisiva para a sobrecarga na rede de saneamento. Mas esses filmes são o retrato, sim, do que vivemos hoje. Um voo para qualquer destino no território nacional e encontrar uma área verde que não seja uma plantação ilícita, ou não, é quase um Procurando Wally.

Ah, mas e as reservas florestais você deve estar pensando. Bem, essas tais reservas onde a espécie mais proeminente são índios com a camisa do Flamengo, também estão sendo devastadas. E pelos mesmos índios com a camisa do Flamengo. Tudo porque devemos a eles centenas de anos de injustiças e maus tratos. Concordo. Mas a natureza não tem nada a ver com isso e muito menos deve alguma coisa a eles. E outra, no meu raso conhecimento sobre cultura indígena, não me recordo de comercializar madeira e andar de Pajero Full do ano, como parte da tradição.

Passamos para o próximo tema: andróides que dominam o mundo. Beleza, não são bem andróides, mas quem hoje sobrevive sem entrar ao menos meia horinha no MSN logo quando chega no trabalho de manhã. Isso na parte manhã, porque na parte da tarde vão mais três horas. E a noite até você ouvir um beijo do gordo na televisão e já estiver pescando e soltando ioiôs de saliva da boca.

Sem contar com a sensação máxima de apego de quem ainda não teve um filho, que é buscar nos bolsos, na mochila, na bolsa, no carro, na mochila do colega ao lado que você ainda conhece tão bem, e não encontrar o danadinho do seu aparelho celular. O que pode ser pior, me diga? E pensar que há 15 anos ele mal existia. E agora é inseparável e no processo evolutivo, em breve, se incorporará ao corpo humano em substituição ao apêndice. Tenho certeza.

Vibradores, iPods, Guitar Heros, TVs, DVDs, laptops, microondas e refrigeradores de cerveja. O ser humano não vive mais sem as máquinas. E isso é fato. O que nos leva agora ao assunto mais polêmico, que é a sobrevivência do homem.

Sempre exploramos os ratos. Sujeitamos os bichinhos às situações mais ridículas, correndo naquelas rodinhas, dietas a base de transgênicos, fizemos os coitados até andarem com uma terceira orelha gigante nas costas. E vejam só o que aconteceu, nos tornamos eles: ratos. Passamos o dia inteiro em frente ao computador, estamos ficando corcundas. Sofremos de insônia e saímos de madrugada em busca de alimento. Trabalhamos tanto que não temos tempo para namorar, nossas mãos estão ficando peludas. Cada vez mais nos parecemos com este roedor. E estamos ficando tão implacáveis e sujos, como ele.

Todos estão em busca de sua sobrevivência a qualquer preço, sem se lembrar de que somos de uma mesma espécie. E só porque nossos objetivos é composto por um pronome possessivo, não quer dizer que você precisa ser igualmente possessivo e guardá-los só para você. Outras pessoas podem fazer parte dos seus objetivos. Assim como, voltar para a academia, parar de fumar, receber um aumento, beber menos. Se bem que beber menos, não. Mas você entendeu. Além de todas essas metas para 2010, ajudar um mundo que não é só seu também pode constar na sua lista.

Faça uma depilação e mãos à obra. 2010 promete.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

A Copa do Mundo é Deles


A Copa do Mundo está aí. Todos já começam a se equipar com apetrechos verde e amarelos de todas as espécies, de camisa a camisinha. E junto com o maior espetáculo esportivo da terra vêm aquelas críticas de sociólogos, antropólogos, psicólogos e diversos outros “ólogos”, que assim como o patriotismo, resolvem aparecer de quatro em quatro anos.

O tema abordado é basicamente o mesmo: o esquecimento dos problemas do País em decorrência da euforia exacerbada que o evento provoca. E qual o problema com isso? Esperavam que a euforia fosse a mesma com a absolvição de mais um deputado do Valérioduto pelos seus colegas? Ou talvez o anúncio da auto-suficiência do País em petróleo que para deixar o nosso sorriso ainda mais aberto traz de brinde mais um aumento na gasolina?

Com estas notícias tão animadoras quanto o Zorra Total, nada mais justo que ter uma Copa do Mundo para se distrair, é o mínimo para quem só pode assistir a rede balançar e não balançar na rede à beira de uma praia.

Realmente acontece uma alienação neste período, jogadas por debaixo dos panos dão lugar às jogadas por debaixo das pernas, o soco na parede é trocado pelo soco no ar e assim vai. Até nove de julho, quando a copa termina e todos voltamos à realidade. Um mundo em que o único replay é a carta de cobrança do seu cartão de crédito. E motivos para pular só quando chega a hora de você descer do ônibus. Mas uma coisa é verdade, podemos até deixar os problemas de lado nesse mês de emoção, contudo, não esquecê-los. Porque na seqüência vem outro evento que também acontece quadrianualmente, atletas que fazem o que querem com a bola nos pés, abrem caminho para políticos que fazem o que querem com a verba nas mãos.

Pela esquerda, pela direita ou pelo meio dá no mesmo, os investimentos não chegam na gente, sempre param no meio de campo, fominha, que só distribue as boladas para sua panelinha. Em um jogo em que não existe impedimento, e o juiz apita somente à favor. Assim fica fácil ganhar: propina, caixa dois e benefícios. Enquanto a gente perde um lance decisivo do jogo porque acabou a luz em decorrência de uma rede elétrica sem manutenção.

Tem Mensagem para Você

Facebook, Orkut, msn, hotmail, yahoo, gmail e celular. Yahoo, hotmail, orkut, celular, msn, Facebook e gmail. Hotmail, celular, Facebook, gmail, msn, gmail e orkut. E assim por diante. O dia inteiro. É a incessante necessidade de saber se alguém procurou a gente. Os meios que surgiram como encurtadores de distâncias, acabaram por aproximar a gente do vício e antes de nos atentarmos para isso já somos reféns. É incontrolável, e a única forma de resgate, e mesmo assim momentâneo, é o som de alguém entrando na sala. Não, não é a sala do chat. É o espaço físico onde você trabalha mesmo. Nesse momento, num clique amplificado, de todos os seus colegas em simultaneidade, as telas são minimizadas e os monitores são tomados por arquivos de word, photoshop, quark e excel. O único resquício é o ícone do messenger quicando no canto da tela, enquanto você se coça para descobrir quem é.

O problema maior é que o vício se alastra e passa a atuar em outros setores, como o da linguagem: “Quanto tempo!”, “Sumido!”, “Parabéns! Tudo de bom.”, “Não percam, último lote de ingressos...” e assim vai. O lado bom é que o vocabulário em inglês da população em geral aumentou consideravelmente. Para quem só conhecia hambúrguer, milk-shake, super, jet-ski e trance, houve uma grande evolução. Onde mais você aprenderia o que é committed? Internet também é cultura. Bem, mais ou menos, pq vc iskreve axim naum eh blz, naum axa?

Voltamos ao assunto principal, o caso é que todo mundo se tornou um carente “elecrônico”, com um olho na tela do computador e outro no celular, ávidos por algum sinal de compaixão por nossa pessoa. Quer estragar o seu dia é você chegar de manhã, abrir o Orkut e ninguém ter deixado um scrap para você, nem um daqueles de clicar no gatinho. É o fim da picada. E entrar em depressão é querer desabafar e não ter ninguém on-line para você conversar no msn. Já vem aquele complexo de rejeitamento, “será que me bloquearam?”. Quem deve estar adorando essa história é o segmento terapêutico. Não demora muito para surgir uma versão virtual do AA: Add Anônimos.

É isso, flws. Ahuahauahaua.

Almas Trigêmeas

Relacionamento é uma coisa engraçada. Tá bom, tá bom, às vezes não é tão engraçado. Mas o fato é que nunca estamos satisfeitos, sempre queremos mais.

Isso é ruim? De certa forma, não. Afinal, assim não caímos na rotina, não acomodamos. Não chega ao ponto dos dois ficarem esparramados no sofá em pleno sábado à noite enquanto assistem a mais um hilário e instigante quadro do Zorra Total até o ombro de cada um possuir o aspecto de um babador de uma criança na fase oral, e o casal decidir se render ao sono e ir pra cama.

Mas não antes de emitir ruídos, num dialeto próprio, muito parecido com a forma de se comunicar dos portadores de necessidades especiais:

– Mô?

– Hum.

– Vamo mimi

– Ahã...

Por outro lado, você vive uma constante frustração por não se contentar com o seu parceiro, ele não dá atenção, ela quer atenção demais, ele só quer saber de sexo, ela está sempre com dor de cabeça, ele está cansado o tempo todo, ela cobra demais.

Qual a solução? Defeitos vão sempre existir, tanto em você, como no seu par. Então faz o seguinte, escolha quem tem os defeitos que menos irritam você. Por exemplo, ela não depila direito. Já você não se importa, costuma fazer de luz apagada e, no final das contas, em dias frios a pelugem torna as coisas mais aconchegantes. E se ele fala enquanto come. Não é nada agradável ver alimentos dilacerados sendo remexidos na boca de alguém com a possibilidade, ainda por cima, de uma ou outra partícula ser projetada na sua direção. Vai que ele come salada, vai fazer bem pra sua pele.

Em resumo, é preciso ter um pouco de boa vontade também. Agora se mesmo com toda a boa vontade do mundo as manias, os defeitos e os costumes continuarem a irritar, aí, meu amigo e minha amiga, chuta que é macumba.

O que pode ser concluir de todas essas análises sobre esse assunto inesgotável que é relacionamento, é que perdemos muito tempo em busca da perfeição, daquela pessoa que nasceu para você. Quer saber, não existe uma alma gêmea. Calma! Contenha as lágrimas e deixa eu completar. Existe, sim, almas quadri, penta, hexagêmeas e por aí vai.

“Ah, mas eu não encontro ninguém!”. Em vez de procurar as pessoas, você ganha mais conhecendo as pessoas. Se você não concorda, eu recomendo pesquisar as fotos de desaparecidos nas caixas de leite.

Final Feliz


“Ah, não! Terminaram juntos?! Que porcaria de filme! E eu ainda paguei pra assistir isso...”. É fato, atualmente, filme com final feliz é sinônimo de ruindade. Filme para ser bom tem de morrer alguém no final, o casal precisa brigar e nunca mais se ver, a história é obrigatoriamente de trás para frente ou dividida em várias histórias paralelas.

É basicamente isso. Nada contra, mas por que ser contra finais felizes. Será que não pode haver um convívio pacífico entre estes formatos cinematográficos? Ou será que as pessoas estão tão descrentes que finais felizes se tornaram algo muito fantasioso. Acredito que a segunda opção seja mais provável. O pessimismo impera. Para essas pessoas filmes de relacionamentos felizes e profissionais bem-sucedidos só no gênero ficção.

Acho mesmo que essa rejeição a finais felizes tenha uma relação direta com a situação em que nos encontramos, na qual o final feliz é sair às sete do trabalho, ter recesso no ano novo, ou chegar no carro depois de uma festa e encontrar o vidro intacto e o som no lugar. Estamos realistas demais, acabou o sonho, a magia, coisa que no cinema pelo menos sempre tivemos.

Qual a beleza em perder a carteira e ter que ligar para todos os bancos cancelando os cartões e depois passar a enfrentar todas as filas e os atendentes super-prestativos e bem-humorados dos órgãos públicos responsáveis pela emissão da 2ª via dos documentos? A vida já tem seus problemas por si só. Por que não podemos sair um pouco dessa rotina maçante? Nem que seja por 107 minutos.

Quem sabe até estimula a gente a buscar uns finais mais felizes para nosso dia-a-dia também, como por exemplo não falar do que aconteceu “aquela vez” na hora de deixar a namorada em casa e iniciar uma discussão interminável que acaba por ganhar proporções gigantescas com uma escavação arqueológica por todas as palavras mal colocadas e ações transgressivas do decoro relacionamentista desde o primeiro encontro. O resultado são olhos inchados e com olheiras no dia seguinte de trabalho improdutivo.

Calças jeans foram feitas para usar acordado. Viva os finais felizes.

O Agente Secreto Famoso

Qual a graça de realizar missões mirabolantes e nenhuma viva alma saber? É o mesmo que dormir com a Gisele Bünchen e não contar para ninguém. Ou seja, não vale de nada.

O fato é que muito mais importante do que a satisfação e a lembrança de determinada conquista, é o reconhecimento que você tem das pessoas. Daí a frustração, ou então o total desprendimento do agente secreto em relação à opinião alheia. Imagina só você enfrentar situações de alta periculosidade, arriscar a vida, a cada dia protagonizar um filme do 007, sem dublê, e não receber nem um tapinha nas costas como recompensa. Eu me pergunto como fica a auto-estima do sujeito nesta história, ou será que contratam só pessoas cheias de si, metidas, que se acham e não sentem a mínima necessidade de elogios. Pessoas com egos tão inflados que fazem até os publicitários mais premiados se passarem por humildes.

Vivemos num mundo onde vale tudo para chamar atenção, até repetir as piadas da Praça É Nossa e fazer aquelas brincadeirinhas agradabilíssimas, típicas das repartições públicas, que os engraçadinhos fazem como se fosse uma grande descoberta: “Vai dar para você ir?”, “Vou ir sem dar mesmo!”. De brinde você ainda leva aquela gargalhada forçada no final o que, como nas comédias enlatadas americanas, avisa que é para rir.

Necessitamos de atenção, de elogios, como fica uma mulher que se produz toda, se maqueia, faz luzes e escova no cabelo, pé e mão, depilação e fica horas numa luta descomunal entre os dois centímetros de quadril recém-ganhos e a calça jeans número 38, e no final de tudo não ouve nem um: “Nossa, que linda!”. É passível de suicídio em certos casos, depressão e greve sexual, no mínimo.

A conclusão é que o agente secreto é o maior exemplo vivo de auto-suficiência, mais até do que o Marilyn Manson que retirou suas costelas inferiores para se realizar com o auto-felátil. Leia-se: sexo oral nele mesmo.

Então, sigamos mais a filosofia de vida dos mineiros e menos a das socialites: vamos todos comer quietos. Até porque é falta de educação comer com a boca aberta.

Falou

– E aí, beleza?

– Beleza. E com você tudo bem?

– Tudo bem.

– Então tá, deixa eu ir. A gente se fala.

– Falou.

Por que deixa eu ir? Quem tá te segurando?! E porque a pressa se daqui a pouco você vai estar escorado em uma parede fazendo absolutamente nada?

São apenas algumas das perguntas que faço em protesto a uma situação corriqueira na vida de praticamente todo mundo. E, por ter se tornado tão normal, não incomoda mais ninguém.

Não sei se o motivo é carência de assunto, falta de empatia ou de repente a preguiça de desenvolver uma conversa, mas o fato é que você acaba conhecendo uma pessoa há cinco anos e não sabe nhecas a respeito dela. No máximo, onde ela trabalha ou estuda.

Agora, começa a contabilizar quantas pessoas você conhece desta forma. Não quero dizer que você precisa saber de tudo na vida de todo mundo, se não acabaria virando um tremendo de um fofoqueiro, mas pelo menos um pouco mais além do “E aí, fez o que ontem?”.

Pessoas são tudo. A gente pode estar fazendo o pior trabalho do mundo, mas se tiver trabalhando em um ambiente com pessoas bem humoradas e simpáticas, a musiquinha do Fantástico não provoca terror e sim alegria pela proximidade da segunda-feira.

O fato é que pessoas, independentemente de quem sejam, são especiais. E sempre podemos aprender e enriquecer a nossa vivência com elas. Só que ninguém está disposto a sair contando experiências de vida e compartilhar conhecimentos que vão mudar a sua trajetória, a torto e a direito. É preciso buscar isso nelas. Mas só se elas tiverem dispostas também e de uma forma descontraída; não é chegar na pessoa que está a sua frente na fila do self-service e perguntar a opinião dela sobre os alimentos transgênicos. É só aprofundar as suas conversas. Lembra quando você era criança e se desafiava a tocar o fundo da piscina? É por aí.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Obrigação de Ser Feliz


Estudo, um bom emprego, um lugar confortável para morar, carro, dinheiro para sair e se divertir, amigos, você tem tudo menos a felicidade.

Calma, isso não é mais um texto de auto-ajuda de como encontrar o caminho para a realização, mas sim um estímulo à reflexão. Pense aqui comigo: você tem tudo e mesmo assim reclama de que não está satisfeito, que não gosta do que faz, que não agüenta mais a sua situação. Em contrapartida, é recriminado com o discurso mais do que clichê de que você não deveria reclamar, porque tem gente passando fome, que não tem onde morar, não teve oportunidade de estudar e por aí vai.

Tudo bem, é fato que tem muita gente passando necessidade, que vive em situação precária, mas não é por isso que você deve se conformar com a sua condição e se sentir culpado por não estar satisfeito. Você deve se sentir mal, sim, é de ficar se lamentado ao invés de tomar uma atitude. Porque é esse o nosso artifício para nos consolar da falta de coragem para arriscar uma vida cômoda, previsível, por outra incerta, sem garantias, mas que vai eliminar a possibilidade de você um dia conjugar aquele tempo verbal que é a mais plena tradução do arrependimento: “eu deveria”.

Afinal, que histórias emocionantes você vai contar no churrasco de aniversário do seu filho? A vez em que a impressora travou bem na hora de entregar um trabalho e você num ato heróico, digno de um episódio do seriado Macgyver (que certamente nenhuma viva alma vai saber do que se trata), abriu a máquina e tirou o papel que estava entalado a tempo de o trabalho ser entregue no prazo?

Ninguém tem obrigação de ser feliz, mas tem obrigação de estar bem consigo mesmo. Você pode tentar se enganar de várias formas, fazer um curso de espanhol, entrar no ioga, programar aquela viagem para ter a expectativa de uma coisa boa. Só que você vai estar simplesmente adiando o problema. Até o tempo passar, e ele passa depressa, e ter a desculpa de que já é tarde.

Uma famosa história de amor persa diz que o nosso destino somos nós mesmos quem determinamos. Pense no que você já determinou até agora e se você está determinado a realizar aquilo que mora nos seus pensamentos naquele quartinho dos fundos do qual você trancou a porta e finge ter esquecido onde colocou as chaves.


quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Palavra Perdida


Palavras são munição. E cada um de nós já chega ao mundo com uma H-AK, metralhadora de fabricação alemã ou israelense, pronta para cometer massacres. Ainda crianças, somos como pequenos militantes afegãos, inocentes, mas capazes de realizar ataques com requintes de crueldade. Disparos do tipo “chupeta de baleia”, “lenhador de bonsai” e “chassis de grilo”, são tiros certeiros nos defeitos físicos que, como em guerras, deixam seqüelas para sempre. Aí vem a adolescência e nosso poder de fogo só cresce. Matamos aulas de português e de literatura, assassinamos a gramática e nessa onda de destruição sobra até para os acentos, as vírgulas e os artigos, que não chegam a serem extinguidos, mas ficam todos desempregados. Começam ataques desordenados, palavras perdidas fuzilam sujeitos de orações, pronomes atingem graus doentios de possessividade e verbos transitivos exigem objetos diretos disparados na direção da caixa craniana das pessoas no raio de 50m.

Quem inventou a palavra, como a fissão do átomo que resultou na bomba atômica, não imaginou o que aconteceria se caísse nas mãos, ou melhor, na boca das pessoas erradas. A palavra é capaz de convencer você a pagar prestações mensais à perder de vista equivalentes à 10% do seu salário para garantir um lugarzinho no céu. Enquanto quem recebe garante um belo duplex, com cobertura, churrasqueira, sauna e piscina, aqui na terra mesmo e com vista para o mar. A palavra consegue persuadir uma população inteira de loiros de olhos azuis, que dizimar outra população inteira de pães duros, que usam um chapeuzinho engraçada na cabeça, é certo e vai reerguer um País. E só para reforçar o poder que a palavra possui, o autor desse discurso foi um baixinho de bigode e cabelo lambido.

Mas não precisamos ir tão longe, a palavra tem a força para transformar um estranho com quem, por um momento, você tem vontade de dividir a mesa do bar, na pessoa com quem, por uma vida, você vai dividir a mesa, a cama, o sofá, o armário, o criado-mudo e tudo mais que tiver na casa. E passados alguns anos vão dividir tudo novamente na divisão dos bens. Mas aí a palavra que vai prevalecer é a do juiz.

A palavra tem poder. Quando nossas mães diziam numa quinta-feira à noite, “Não sai hoje não, meu filho. Fica em casa”, e a gente ignorava, ignorávamos também o fato de que todos nós temos uma pequena mãe Dinah em casa. Não que elas tenham o poder de prever o futuro. Mas elas têm, sim, o poder de transformá-lo. A noite maravilhosa que você tinha pela frente tem o seu curso alterado e de forma tirana passa a responder total e plenamente às leis de Murphy. E você está sujeito a viver episódios como a de uma cerveja que não lhe cai bem e provoca uma indisposição intestinal avassaladora numa balada em que o banheiro tem porta que não fecha, o papel toalha de textura extremamente áspera faz às vezes do papel higiênico, a descarga não funciona e uma fila de pelo menos quinze pessoas desesperadas aguardam ansiosamente a sua desocupação do local. Entre elas, a pessoa com quem trocava olhares insinuantes a noite inteira e que a partir de agora irá olhar para você de maneira a insinuar outra coisa bem diferente.

A moral da história aqui não é obedeça a sua mãe, estude gramática, não case com alguém que você conhece no bar, ou não pegue no pé dos outros. A moral é que palavras são concretas e em vez de usar o peso do concreto para destruir, aproveite sua consistência para construir. Faça de cada conversa um pequeno canteiro de obras e capriche no acabamento dos cômodos. Você vai ter uma série de boas lembranças para hospedar daqui para frente.

O Pequeno Che


Existe um pequeno revolucionário dentro de cada um de nós. Mas só tem uma coisa. Ele está adormecido. E como esse pequenino é dorminhoco. Por mais escandaloso que seja o desvio de dinheiro do deputado e por mais alto seja o choro da criança com fome, ele está ali, sereno, como se nada o aborrecesse. No máximo ele dá uma coçada no rosto e vira o corpo para mudar de lado e se ajeitar para encontrar uma posição mais confortável na cama box king size, com sistemas de molas independentes, com roupa de cama de algodão egípcio e travesseiros recheados com penas de ganso. E um ar-condicionado super silencioso refrescando o ambiente aos exatos 23.5 graus.

Com condições utópicas para o descanso, realmente não existe qualquer força física ou sobrenatural capaz de despertar esse sujeito. Quanto mais fazer com que ele se ponha de pé com a sua cara amassada, olhe no espelho e diga: “eu preciso fazer alguma coisa”. Mentira, talvez uma. Urinar. Mas logo após a tradicional balançada e retirada as últimas gotículas da sua uretra, ele retorna rapidamente ao seu estado de hibernação. E dá continuação ao seu sonho erótico com aquela revolucionária em roupas camufladas provocantes e que miraculosamente encontrou uma forma de se depilar no meio da mata, centenas de quilômetros distantes de qualquer centro estético. Em um lugar onde a palavra contorno remete apenas a uma manobra militar.

Mas o que pode ser feito para acordar esse Che Guevarazinho picado pela mosca Tsé Tsé?

Puxar suas cobertas? Ele vai sentir frio. Mas logo vai se agarrar à revolucionária dos seus sonhos e você corre o sério risco de ser atingido pelas conseqüências da polução noturna.

Um filete de água fria pelo seu canal auditivo? Só vai deixá-lo surdo.

Sacudi-lo? Sa-cu-di-lo?! É...

Não. Bem, quase. Porque na verdade quem precisa ser sacudido é quem está lendo este texto neste exato momento: você.

Precisa pegar um ônibus lotado com um itinerário cheio de curvas fechadas e ondulações. Se acotovelar no meio de uma multidão de pais desesperados para conseguir uma matrícula na escola pública para seus filhos. Tremer de medo por não saber se você vai conseguir chegar com o seu salário do mês em casa. Por existirem pessoas que se sentem no direito de tomá-lo de você pelo simples fato de carregarem uma engenhoca com seis balas no tambor.

E depois de ter sacudido bastante. De duas, uma. Ou você vomita, ou você começa a enxergar que existe um mundo lá fora. Um mundo que você pode passar uma vida inteira ignorando que você não vai perder o seu lugar no céu.

Mas se você optar por enxergar. Não precisa ir tão longe, basta abrir o vidro insulfilme 70% do seu carro, no sinal de trânsito, que você já se depara com um meninho oferecendo três pacotes de jujuba por um real debaixo do sol quente, enquanto a sua mãe observa tudo confortavelmente sentada à sombra de uma árvore. O incômodo que esta situação provoca em você é rapidamente suprimido com a lipoaspiração mais barata do mundo. Já que com apenas uma moeda encontrada no porta-treco do carro você é capaz de tirar todo o peso que o abismo social aloja na sua consciência. E se o bem-estar conquistado não fosse suficiente, você ainda ganha três pacotes de jujuba por isso. Que só acentua o caráter enganoso do negócio. Porque anos depois essas jujubas vão resultar em uma lipoaspiração bem mais cara.

E qual a moral dessa história toda? A moral dessa história é que se quer continuar vivendo em um país onde se você não tiver R$ 200 por mês para pagar um plano de saúde, é jogado em um corredor de hospital; onde políticos gastam mais tempo votando em prol dos seus próprios benefícios do que de quem eles representam; ou onde 40% do seu salário são descontados a cada mês em impostos e todo ano é você quem deve explicações por isso; se você quer continuar assistindo tudo isso acontecer, eu recomendo jujubas para acompanhar.

Mas se nesse momento o seu coração estiver batendo mais forte. Muito bem. O pequeno revolucionário já está acordando.

Vou Pular


Dez metros de queda livre que terminam em uma piscina natural. A água é turva e você não sabe dizer ao certo se existem pedras debaixo da superfície, nem se é profundo o suficiente. Mas você precisa pular. Sintomas como tremedeira nos joelhos e uma vontade repentina de evacuar podem ser imediatamente aliviados com um simples passo para trás.

O problema é que, como acabou de ser dito, ele não cura, só alivia. E sintomas como estes vão evoluir até o surgimento de um tumor maligno alojado no hemisfério direito do cérebro. Tumor que é invisível à exames e não pode ser retirado, muito menos tratado, e vai atacar de forma devastadora a sua criatividade, imaginação e capacidade de sonhar. A partir daí sua vida não será construída, será pré-moldada. Tudo muito prático e fácil de montar. Só que o produto número 337 de um lote de 200 mil unidades. Um ambiente em que nada é de verdade. Plantas são de plástico, paredes de gesso e o chão é adesivado com um piso que imita madeira. O cenário perfeito para você representar uma estória que não provoca tristeza, raiva, alegria, muito menos uma ereção.

Mas o que que faltou? Enredo? Personagens mais interessantes? Uma produção maior? Não. Faltou o que todo mundo tem desde a nascença. Pai, mãe, um nome e... E coragem. Isso mesmo, coragem. Ou você acha que é fácil passar nove meses dentro de um ofurô de carne, com hidromassagem e sem ter que contrair um músculo sequer, nem para comer, e de repente ser arrancado por duas mãos emborrachas, através de um portal peludo, para viver em um mundo gelado e habitado por seres estranhos de jalecos, toucas e máscaras verdes? Em seguida você tem a sua última ligação com o paraíso cortado brutalmente pelos seres verdes, com uma tesoura. E nesse momento, tem a segunda grande prova de coragem. Talvez até maior do que a primeira. Você fica frente a frente com algo que não poderia ter uma forma e uma textura melhor para representar esse acontecimento tão brutal e traumático. Esse algo é o umbigo. Assustador como só ele, com certeza, você só começou a chorar e deixou a sua fraqueza transparecer porque olhou para essa verdadeira cicatriz de guerra.

Agora me diz uma coisa. Se você passou pelos homens de verde, pelo umbigo, vai se conformar e deixar de descobrir até onde você consegue ir porque não sabe o que tem embaixo daquela água?

Pula.