quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

O Pequeno Che


Existe um pequeno revolucionário dentro de cada um de nós. Mas só tem uma coisa. Ele está adormecido. E como esse pequenino é dorminhoco. Por mais escandaloso que seja o desvio de dinheiro do deputado e por mais alto seja o choro da criança com fome, ele está ali, sereno, como se nada o aborrecesse. No máximo ele dá uma coçada no rosto e vira o corpo para mudar de lado e se ajeitar para encontrar uma posição mais confortável na cama box king size, com sistemas de molas independentes, com roupa de cama de algodão egípcio e travesseiros recheados com penas de ganso. E um ar-condicionado super silencioso refrescando o ambiente aos exatos 23.5 graus.

Com condições utópicas para o descanso, realmente não existe qualquer força física ou sobrenatural capaz de despertar esse sujeito. Quanto mais fazer com que ele se ponha de pé com a sua cara amassada, olhe no espelho e diga: “eu preciso fazer alguma coisa”. Mentira, talvez uma. Urinar. Mas logo após a tradicional balançada e retirada as últimas gotículas da sua uretra, ele retorna rapidamente ao seu estado de hibernação. E dá continuação ao seu sonho erótico com aquela revolucionária em roupas camufladas provocantes e que miraculosamente encontrou uma forma de se depilar no meio da mata, centenas de quilômetros distantes de qualquer centro estético. Em um lugar onde a palavra contorno remete apenas a uma manobra militar.

Mas o que pode ser feito para acordar esse Che Guevarazinho picado pela mosca Tsé Tsé?

Puxar suas cobertas? Ele vai sentir frio. Mas logo vai se agarrar à revolucionária dos seus sonhos e você corre o sério risco de ser atingido pelas conseqüências da polução noturna.

Um filete de água fria pelo seu canal auditivo? Só vai deixá-lo surdo.

Sacudi-lo? Sa-cu-di-lo?! É...

Não. Bem, quase. Porque na verdade quem precisa ser sacudido é quem está lendo este texto neste exato momento: você.

Precisa pegar um ônibus lotado com um itinerário cheio de curvas fechadas e ondulações. Se acotovelar no meio de uma multidão de pais desesperados para conseguir uma matrícula na escola pública para seus filhos. Tremer de medo por não saber se você vai conseguir chegar com o seu salário do mês em casa. Por existirem pessoas que se sentem no direito de tomá-lo de você pelo simples fato de carregarem uma engenhoca com seis balas no tambor.

E depois de ter sacudido bastante. De duas, uma. Ou você vomita, ou você começa a enxergar que existe um mundo lá fora. Um mundo que você pode passar uma vida inteira ignorando que você não vai perder o seu lugar no céu.

Mas se você optar por enxergar. Não precisa ir tão longe, basta abrir o vidro insulfilme 70% do seu carro, no sinal de trânsito, que você já se depara com um meninho oferecendo três pacotes de jujuba por um real debaixo do sol quente, enquanto a sua mãe observa tudo confortavelmente sentada à sombra de uma árvore. O incômodo que esta situação provoca em você é rapidamente suprimido com a lipoaspiração mais barata do mundo. Já que com apenas uma moeda encontrada no porta-treco do carro você é capaz de tirar todo o peso que o abismo social aloja na sua consciência. E se o bem-estar conquistado não fosse suficiente, você ainda ganha três pacotes de jujuba por isso. Que só acentua o caráter enganoso do negócio. Porque anos depois essas jujubas vão resultar em uma lipoaspiração bem mais cara.

E qual a moral dessa história toda? A moral dessa história é que se quer continuar vivendo em um país onde se você não tiver R$ 200 por mês para pagar um plano de saúde, é jogado em um corredor de hospital; onde políticos gastam mais tempo votando em prol dos seus próprios benefícios do que de quem eles representam; ou onde 40% do seu salário são descontados a cada mês em impostos e todo ano é você quem deve explicações por isso; se você quer continuar assistindo tudo isso acontecer, eu recomendo jujubas para acompanhar.

Mas se nesse momento o seu coração estiver batendo mais forte. Muito bem. O pequeno revolucionário já está acordando.

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