quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Palavra Perdida


Palavras são munição. E cada um de nós já chega ao mundo com uma H-AK, metralhadora de fabricação alemã ou israelense, pronta para cometer massacres. Ainda crianças, somos como pequenos militantes afegãos, inocentes, mas capazes de realizar ataques com requintes de crueldade. Disparos do tipo “chupeta de baleia”, “lenhador de bonsai” e “chassis de grilo”, são tiros certeiros nos defeitos físicos que, como em guerras, deixam seqüelas para sempre. Aí vem a adolescência e nosso poder de fogo só cresce. Matamos aulas de português e de literatura, assassinamos a gramática e nessa onda de destruição sobra até para os acentos, as vírgulas e os artigos, que não chegam a serem extinguidos, mas ficam todos desempregados. Começam ataques desordenados, palavras perdidas fuzilam sujeitos de orações, pronomes atingem graus doentios de possessividade e verbos transitivos exigem objetos diretos disparados na direção da caixa craniana das pessoas no raio de 50m.

Quem inventou a palavra, como a fissão do átomo que resultou na bomba atômica, não imaginou o que aconteceria se caísse nas mãos, ou melhor, na boca das pessoas erradas. A palavra é capaz de convencer você a pagar prestações mensais à perder de vista equivalentes à 10% do seu salário para garantir um lugarzinho no céu. Enquanto quem recebe garante um belo duplex, com cobertura, churrasqueira, sauna e piscina, aqui na terra mesmo e com vista para o mar. A palavra consegue persuadir uma população inteira de loiros de olhos azuis, que dizimar outra população inteira de pães duros, que usam um chapeuzinho engraçada na cabeça, é certo e vai reerguer um País. E só para reforçar o poder que a palavra possui, o autor desse discurso foi um baixinho de bigode e cabelo lambido.

Mas não precisamos ir tão longe, a palavra tem a força para transformar um estranho com quem, por um momento, você tem vontade de dividir a mesa do bar, na pessoa com quem, por uma vida, você vai dividir a mesa, a cama, o sofá, o armário, o criado-mudo e tudo mais que tiver na casa. E passados alguns anos vão dividir tudo novamente na divisão dos bens. Mas aí a palavra que vai prevalecer é a do juiz.

A palavra tem poder. Quando nossas mães diziam numa quinta-feira à noite, “Não sai hoje não, meu filho. Fica em casa”, e a gente ignorava, ignorávamos também o fato de que todos nós temos uma pequena mãe Dinah em casa. Não que elas tenham o poder de prever o futuro. Mas elas têm, sim, o poder de transformá-lo. A noite maravilhosa que você tinha pela frente tem o seu curso alterado e de forma tirana passa a responder total e plenamente às leis de Murphy. E você está sujeito a viver episódios como a de uma cerveja que não lhe cai bem e provoca uma indisposição intestinal avassaladora numa balada em que o banheiro tem porta que não fecha, o papel toalha de textura extremamente áspera faz às vezes do papel higiênico, a descarga não funciona e uma fila de pelo menos quinze pessoas desesperadas aguardam ansiosamente a sua desocupação do local. Entre elas, a pessoa com quem trocava olhares insinuantes a noite inteira e que a partir de agora irá olhar para você de maneira a insinuar outra coisa bem diferente.

A moral da história aqui não é obedeça a sua mãe, estude gramática, não case com alguém que você conhece no bar, ou não pegue no pé dos outros. A moral é que palavras são concretas e em vez de usar o peso do concreto para destruir, aproveite sua consistência para construir. Faça de cada conversa um pequeno canteiro de obras e capriche no acabamento dos cômodos. Você vai ter uma série de boas lembranças para hospedar daqui para frente.

2 comentários:

  1. Muito bom texto erick! Parabéns pelo blog e pela coragem de mostrar o que escreve. Não é fácil. É isso aí.
    Jojo? Elefante órfão? hahahahaha Aposte sempre nesse seu humor peculiar.
    abraços

    ResponderExcluir